terça-feira, 10 de junho de 2008

Sombra (I)

E então veio a verdade, e com ela veio uma sombra. E a sombra, atravessando-se no meu caminho disse-me ao ouvido: “Bom dia caminhante. É tua toda esta aura que aqui sinto? Possuis tu uma convicção tão fortemente inabalável?” E eu, sorrindo, disse: “É minha. Esta é a convicção pela qual vivo. Esta é a aura que de mim sai, que me suporta de pé.” E disse isto sorrindo, feliz de mim mesmo. Mas aquela sombra, cujo semblante era amistável e contente, ficou subitamente triste e preocupada. E vendo-a triste, vendo-a preocupada, perguntei: “Que foi? Não achas grandiosa a minha convicção? Não te dá gosto ver a forma como tenho vindo a crescer fé dentro de mim?” E com o mesmo semblante, preocupado e triste, disse-me em resposta: “Tu, cuja convicção e fé são inabaláveis, serás posto à prova, e aí se verá bem, aos olhos do mundo, aquilo que valem as tuas certezas. E então, serão também postos à prova os teus ideias e o teu carácter, e sairás desse caminho, provando que tens uma fé inabalável, ou pelo contrário, provando que engrandecendo a tua fé, engrandeceste a tua queda e ruína.” E desesperado perguntei, à sombra que se me atravessara no caminho: “Porque me profetizas isso? Porque me amaldiçoas dessa forma? Acaso cometi alguma injúria para contigo ou alguém que seja? Acaso dei motivos ao destino para que me tratasse como relatas? Ou terás tu, no teu íntimo, inveja da minha inabalável de perfeita harmonia e confiança?” E aquela sombra, adoptando um sorriso malvado, respondeu-me desta forma: “Inveja? De que deveria eu ter inveja? De um pobre louco que julga ter forças para enfrentar o mundo, e que cairá pela ocasião da próxima vicissitude? Inveja de alguém que, no seu coração, guarda sagrado o mundo que o vai destruir? Fica pois sabendo que eu habito dentro de ti, e que, apesar de pequena, crescerei a um ponto, em que drenarei toda a aura confiante que te rodeia. Inveja? De ti sinto apenas pena.” Então, olhando fixamente aquela sombra escura, disse-lhe decidido: “Assim te digo que a minha convicção e fé não têm limites, e que se um dia, como dizes que acontecerá, for posto à prova, verás como tenho razão. E aí, não crescerás, e diminuirás, definhando, até te extinguires.” A sombra, voltando ao seu ar triste e preocupado, respondeu: “Vejo que a tua confiança e dedicação para com o teu mundo te deixam cego. Segue então o teu caminho, não te importunarei mais. Eu vou contigo, pois ninguém nesta vida jamais me extinguiu, e espero, para teu bem e dos outros, que sejas o primeiro a consegui-lo de facto. Boa sorte, vais precisar dela. E lembra-te. Lembra-te do que te disse, sempre que eu crescer dentro de ti.” E eu, num misto de felicidade por me ver livre daquela sombra, e de apreensão pelo que me havia dito, perguntei-lhe por fim: “Mas afinal, quem és tu, que dizes viver dentro de mim, e ter o poder de destruir a minha certeza e confiança, a minha fé. Quem és tu, sombra negra?” E aconteceu que, voltando-se para trás, com uma expressão que nada transparecia, disse-me: “Eu, sou a sombra da dúvida. Eu, que vivo dentro de ti e tenho o poder de destruir toda a tua fé. Eu, que crescerei quando fores posto à prova, e que te destruirei, a menos que me impeças. Adeus. Segue o teu caminho. Tu e a tua fé!” E ali, parado naquele caminho, vi-a partir, como se não o estivesse realmente fazendo.

26 de Maio de 2008
An0rMaL_DoX6070
(I)

2 comentários:

disse...

Pois, até aqueles que batem com tanta força no peito para dizerem "eu sou, eu faço", um dia acabam por ir pararaquele mar tão deserto, cheio de duvidas... mesmo que a vontade seja muita havera sempreum dia em que aquele "e se" vai aparecer...

Olha la no que tu me fazes pensar!ora bolas!agr e que eu sei pk nao aparces no msn..andas com duvidAS xDxDxD!!!

bjao

Ti disse...

O "se" sempre vive connosco desde sempre minha querida butterfly... Só anda escondido, até ao dia em que a certeza é demais e ele decide por á prova toda a nossa certeza...


Brilhante, adorei, prendeu-me desde a primeira à última linha, tal como da primeira vez que os li :)